terça-feira, 8 de maio de 2007

Continuando Uma discussão começada em aula, eu gostaria de falar um pouco sobre o medo. Não o sentimento que pode ou não preservar nossa vida, resguardar nossa alma ou manter coeso o nosso sistema de governo. Mas, sim, alguns medos específicos, referentes a um comentário do professor Dimas Kunsch na nossa aula de Filosofia do dia 8/5. Ficamos por ele intimados a nos desvencilhar da nossa aversão pela auto-avaliação, a uma estrutura auto-imposta por nós alunos, diferente da usual, hierárquica, na qual estamos entregues aos critérios de um professor num sistema quase autocrático que nos limita, mas também nos resguarda de cometer erros, de receber críticas, de expor nosso pensamento a outras pessoas.

Para ilustrar este ponto, eu proponho uma visão um tanto superficial da graphic novel Midnight Nation (2003, Joe’s Comics), do autor Joseph Michael Straczynski, ilustrada por Gary Frank.

Photo Sharing and Video Hosting at Photobucket

Em Midnight Nation Straczynski narra a história de David Grey, um detetive de Los Angeles que está investigando um assassinato brutal. Seguindo pistas, ele chega ao suposto assassino, mas, quando é forçado a matá-lo, Grey é atacado por criaturas que parecem duendes. Ele acorda um tempo depois num hospital apenas para descobrir que as pessoas à sua volta se tornaram translúcidas e não podem mais vê-lo. De início, a única pessoa com quem ele consegue interagir é uma mulher chamada Laurel, que se apresenta como sua guia. Ela explica que Grey perdeu sua alma e que agora se encontra preso num mundo de sombras paralelo ao nosso, habitado por aqueles que foram esquecidos pela sociedade. Resta a ele, como última esperança, atravessar o país a pé em menos de um ano e retomar sua alma daquele que a roubou (essencialmente Satanás), ou ser transformado num “Andarilho” nome dado às criaturas que o atacaram previamente. Straczynski diz que esta obra é uma obra sobre a qual ele “derramou muita emoção, muitos sentimentos pessoais e história e crença, cobrindo vida, morte, religião, Deus, como nós alcançamos significado... Tudo isto equilibrado sobre uma viagem de duas pessoas através do país, uma buscando sua alma, outra enviada para ajudá-lo ou matá-lo, dependendo do fim da história”.

É durante esta travessia que Straczynski narra um encontro entre Laurel, Grey e alguns habitantes deste mundo no meio do deserto. Cruzando o sudoeste dos Estados Unidos ao longo de estradas interestaduais que cortam o deserto, David e Laurel se encontram sem comida. Tendo que entrar no deserto para buscar alimento, na vastidão plana que eles avistavam da estrada magicamente surge uma depressão, na qual um grupo de pessoas se reúne ao redor de uma fogueira. Estas pessoas se recusam a abandonar seu acampamento ou se distanciar muito do fogo, comendo animais que por ali se aventuram e bebendo água da chuva, por medo do desconhecido além de seus pequenos vales. E, para passar o tempo, estas pessoas contam histórias sobre como acabaram neste lugar e sobre suas vidas. Todas as histórias têm dois pontos comuns: Primeiro, o indivíduo busca se engrandecer, justificando suas ações e se recusando a ver como elas levaram a resultados desastrosos. Segundo, o medo permeia todas elas.

Eu acabei por escolher três fobias para simplificar e exemplificar o medo das personagens na história e o medo paralisante identificado pelo professor Dimas. A fobia social, ou o medo de ser avaliado de forma negativa socialmente, a eleuterofobia, ou medo da liberdade, e a metatesiofobia, ou medo de mudanças. Tentarei explicar cada uma brevemente e como elas se relacionam como o assunto.

Estas três fobias são algumas das mais comuns entre os seres humanos, animais sociais e de hábitos, naturalmente confortáveis em suas rotinas e padrões de comportamento. Muito já foi dito e por diversos especialistas nas áreas do estudo do ser humano sobre a inabilidade do indivíduo em reagir positivamente a um novo elemento em sua vida. Seja uma nova pessoa, uma nova situação ou simplesmente uma nova idéia exterior à experiência individual. Pode-se dizer até que é parte do mecanismo de auto-preservação do ser humano. No entanto, é uma característica que nos mantém presos a situações às vezes desfavoráveis simplesmente porque já estamos acostumados com elas. Somente com o uso da razão, da análise e da experimentação (direta ou indireta) é que novos elementos são incorporados ao cotidiano. Mas o medo da mudança é sempre presente.

Da mesma forma, é comum ouvir discursos, principalmente quanto à regulação governamental nos nossos dias, defendendo o cerceamento das liberdades individuais em favor de maior segurança. É um medo quimérico, com duas facetas principais. Uma é o medo da liberdade do outro. Quanto mais liberdade o outro possui, maior é o medo da capacidade dele em invadir o meu espaço e influenciar minha existência de forma negativa ou adversa aos meus objetivos. A outra faceta é o medo da liberdade própria. Quanto maior a minha liberdade, maior será a exigência sobre mim para tomar decisões, responsabilidade e simplesmente pensar. Pior, maior será a probabilidade de que, sem instruções e regras e restrições, eu aja equivocadamente e seja criticado pelos meus pares, exposto por minhas falhas.

Este medo, de que os outros julguem-nos inferiores ou de menor valor é, talvez, a fobia mais comum. Também porque esta fobia vem mascarada por todo o tipo de racionalização, justificativa, relativismo, desculpa e até mesmo por outras fobias. A baixa aceitação social, o medo do fracasso não por si só, mas pelo seu estigma perante nossos pares é o que mais facilmente paralisa o indivíduo, agindo contra a inovação sugerindo a segurança da adequação, contra a iniciativa reforçando o suposto valor da rotina e contra a ação superestimando a estabilidade, mesmo que isto perpetue uma situação que denigre o caráter humano e impede a edificação do indivíduo.

David Grey de Midnight Nation se recusa a ser igual às pessoas reunidas em volta da fogueira, paralisadas por seu medo, e decide enfrentar qualquer perigo que possa realmente existir no deserto além das bordas do barranco que os cercam, retornar à estrada e continuar sua viagem. Ele estava cansado das mesmas frases repetidas à exaustão: “melhor o mal conhecido ao desconhecido”, “Não podemos confiar em nada que existe além das bordas do barranco”, “A estrada pode matar”, “melhor ficar onde estamos”. A visão metafórica que Straczynski e Frank produzem na última página da quarta edição na qual esta estória está contida fala volumes.

Photo Sharing and Video Hosting at Photobucket

Eu estava agarrado à minha posição e à minha cadeira na sala de aula, na turma aberta em círculo, são e salvo no brilho familiar do fogo no centro do círculo, regalado no escárnio a novas propostas, escondendo e escondido do meu medo. Mas as palavras que eu ouvi me forçaram para além das bordas. A visão da estrada é ampla, e eu pretendo continuar nela.
Texto escrito por Carlos Senna.

Nenhum comentário: