quinta-feira, 10 de maio de 2007

Nostalgia e memória seletiva

Quando eu tinha cinco anos, eu tirei uma foto para a escola. Estava no Jardim II. Na foto eu segurava um lápis bobo em cima de uma folha boba na qual havia uma casa boba desenhada. Era para dar a impressão de que eu havia feito o desenho bobo.
A minha cara, como o sagaz leitor deve imaginar, era uma cara de bobo. Não é o que minha tia disse quando viu a foto. Ela disse que eu estava com cara de “puto relaxado” e sabe lá o que ela quis dizer com isso. Deve ter algo com minha cara de doce narcisismo – característica negativa em adultos, mas considerada até engraçadinha nas crianças – já que desde as minhas primeiras palavras, eu demonstrava a minha tendência a enaltecer minha beleza entre outras inúmeras qualidades.
A idéia de falar sobre a foto é justamente remeter o leitor aos meus tempos de infante. Esse me parece um tema recorrente em meus pensamentos e, por mais de uma vez, me sinto obrigado a escrever sobre ele: como gostamos do passado, não?
Não quero, no entanto, transformar esse saudosismo em uma temática perene. Certo é que caso isso acontecesse, daqui a pouco eu estaria fadado a contar sobre a vida pastoril, as paisagens bucólicas e minha vida na cabana com Marília de Dirceu, porém não me identifico com a obra árcade.
Mas para voltar ao assunto central, lembrar-vos-ei de que em 1992, ano da foto, eu não me preocupava com faculdade, nem com emprego e achava que o papai era uma fonte inesgotável de dinheiro. Foi um tempo de regozijo, aos sábados eu ia à feira (ou aos domingos, não me lembro direito), e depois, como de praxe, a visita à casa da vovó.
Curioso é que eu não tinha, como muitas crianças naturalmente não tem, uma clara noção da passagem do tempo, no que dizia respeito ao passar dos meses e anos, de forma que o Natal e Ano Novo vinham de surpresa para mim. Um belo dia e de repente: - Filho, hoje é Natal! – dizia a mamãe.
De qualquer forma, a lição importante que eu tiro dessas lembranças é que a vida passa rápido (uma conclusão brilhante e inédita, aliás). É, portanto, fugaz, e é necessário que saibamos aproveitar os momentos mais doces, mesmo que sejam simples ou não sejam de suntuosidade. Digo isso porque depois de 15 anos, eu lembro apenas das coisas pequenas, aquelas mais curiosas e íntimas para mim. As coisas grandes e notórias são banais, pouco específicas e são de conhecimento de todos. Mas as nossas idiossincrasias, manias, peculiaridades, essas que fazem valer a máxima de que recordar é viver.
No entanto, é inevitável a ponderação: A infância era tão legal assim? Em geral, podemos dizer que sim, mas só porque pensamos nos fatos felizes. E o que acontecem com as memórias infelizes, então? Bem, essas nós nos condicionamos a superar e, depois de tempos, fica a impressão – justa, eu diria – de que elas apenas representaram crescimento pessoal e aprendizado. E nossos problemas atuais, esses sim nos afligem. E no final das contas, parece que tudo era melhor antigamente, mais feliz, bonito e romântico.
Hoje em dia a vida é muito chata, não? Muitas guerras, problemas no mundo (e julgo ser impossível passar inerte a eles), problemas pessoais, desemprego, violência urbana, etc. Certamente é cedo para dizer que a vida é chata, logo cedo aos meus rijos e prósperos 20 anos, e é com toda certeza que se trata de um exagero de minha parte. Mas periodicamente a nostalgia nos alcança, e as minhas queixas se justificam hoje, se justificaram ontem, e se justificarão amanhã. Tudo por causa dessa tal memória seletiva.
E, pensando bem, acho que não é a vida que é chata. Chato é o ser humano, que é muito insatisfeito, reclama de tudo e sempre consegue encontrar defeitos até nas coisas mais positivas...Droga, queria ter 5 anos de novo.

por Fernando Mendes

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