segunda-feira, 12 de março de 2007

Sócrates e "300 de Esparta" - A morte como triunfo

Photo Sharing and Video Hosting at Photobucket Este blog é dedicado à discussão filosófica, inspirada nas aulas de filosofia dadas aos alunos do 1º ano de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero pelo Prof. Dr. Dimas Künch e no pensamento do filósofo Sócrates, como ele é descrito no livro “Apologia de Sócrates” de seu mais ilustre aluno, Platão. Um homem cuja vida está, assim como diversas figuras da história antiga, marcada por incertezas e relatos conflitantes. No entanto, suas idéias consolidaram a base do nosso pensamento e filosofia moderna. E me parece fundamental e atípico que muito de sua importância para nós venha de sua morte, e não de sua vida. E é com algumas considerações sobre sua morte e com uma comparação que eu gostaria de iniciar minha colaboração.

Primeiramente, quero pedir desculpas a você que lê este texto. Ele não será breve, já aviso, mas este não é o motivo pelo qual me desculpo. Simplesmente venho dizer que, se aqui, logo de inicio, esperava encontrar uma análise ponderada do método Socrático, exemplos do uso da dialética, ou debates sobre Filosofia versus Sofismo, eu vou desapontá-lo. O que vou, sim, tentar fazer é, através da comparação com um fato histórico, ricamente representado numa recente obra de ficção, mostrar um pouco do contexto histórico no qual viveu Sócrates e fatos que podem ter influenciado o mesmo, numa tenra idade, no seu pensamento e posicionamento que eventualmente tanto determinaram seu julgamento e subseqüente morte.

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A obra de ficção mencionada acima é o filme “300 de Esparta” (“300”), baseado na premiada obra homônima em quadrinhos escrita e desenhada por Frank Miller (publicada pela Dark Horse Comics, de Maio a Setembro de 1998). A estória é baseada no relato histórico de Heródoto de Halicarnasso da Batalha das Termópilas. Segundo Heródoto, em Agosto do ano 480 a.C., 300 espartanos, aliados a mais de 5000 outros gregos de diversas outras cidades-estados, enfrentaram um exército Persa, liderado pelo imperador Xerxes I, que contava com cerca de 4,7 milhões de soldados.

Desde então, muitos historiadores tentaram desmistificar os números envolvidos nesta batalha e hoje se acredita que os gregos estavam em cerca de 14 mil homens e as forças persas contavam com 250 mil soldados. O fato é que o número exato de combatentes é irrelevante, especialmente se considerarmos que durante a época em que Sócrates viveu, os números descritos por Heródoto deviam ser considerados verdadeiros. Então, aqui, aceitaremos que o rei Leônidas de Esparta comandou um exército de 5,500 homens contra alguns milhões de Persas.

Sócrates nasceu em Atenas, no ano 470 a.C. num período de paz instável entre as duas maiores cidades-estados gregas. Durante sua vida, fez parte do exército de Atenas e existem muitos testemunhos documentais de seu valor durante batalhas. Batalhas estas lutadas durante a Guerra do Peloponeso (431 a.C. a 404 a.C.), na qual Atenas e seus aliados lutaram contra a Liga do Peloponeso, liderada por Esparta. Sócrates, apesar de nunca negar sua paixão por Atenas, parece ter sido crítico da democracia Ateniense e elogia direta e indiretamente Esparta em diversos de seus diálogos. Esta atitude foi um dos fatores que o levaram a ser julgado e condenado à morte.

A afinidade e admiração que se desenvolve entre oponentes numa guerra é fato e acontece com diversos indivíduos, mesmo que minha falta de conhecimento e pesquisa me impeçam de afirmar categoricamente que este foi o caso com Sócrates. Da mesma forma, é difícil dizer com absoluta certeza que a história dos 300 de Esparta tenha chegado aos ouvidos de Sócrates, muito menos que ela o tenha influenciado. No entanto, tanto a história da Batalha das Termópilas quanto a vida de Sócrates terminam em pontos comuns: O sacrifício da vida por um ideal, por um objetivo maior que o indivíduo. E este não é o único ponto comum.
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Durante o seu julgamento, Sócrates defende-se contando como seu amigo Xenofonte, indo à Delfos, consultou o oráculo perguntando se havia homem mais sábio que Sócrates. A pitonisa respondeu-lhe que não havia ninguém. Sócrates, em vez de sentir-se enobrecido por isto, contesta a alegação (que era na época como a palavra dos deuses) e parte em busca de evidência que corroborasse ou desmentisse a afirmação do oráculo. Discutindo com políticos e outros homens proeminentes da sociedade Ateniense, Sócrates chega a uma conclusão simples, porém controversa. Disse ele: “Parece, pois, que eu seja mais sábio nisso - ainda que seja pouca coisa: não acredito saber aquilo que não sei”. Com isso, dizia que muitos se passavam por sábios, mas pouco realmente sabiam daquilo que se propunham a debater.

Em “300 de Esparta” o rei Leônidas também consulta um oráculo, o que se diz na estória era a lei de Esparta antes de declarar guerra e começar uma campanha. E mesmo o rei deve obedecer à lei. Os sacerdotes do oráculo são descritos como velhos disformes, pervertidos e ávidos por ouro e riquezas. Sócrates teria os detestado tanto quanto Leônidas os detesta, por sua paixão por riquezas. Eles, no filme, lançam como obstáculo à campanha contra os persas a celebração de um festival religioso e, manipulando as palavras do oráculo, proíbem que Leônidas mobilize o exército. É por isso que Leônidas enfrenta Xerxes com apenas 300 soldados, pois estes eram sua guarda pessoal e somente eles poderiam ser levados sem que se quebrasse a lei. Mostrando assim, um grande amor pela pátria, que Sócrates também exibia, e também uma admiração respeitosa pelas leis. Este respeito pela ordem foi tão grande e tão óbvio que, no local onde a última batalha foi travada entre os persas e as forças do rei Leônidas, o poeta Simonides deixou este epitáfio numa pedra:

Estrangeiro que passas, diz a Esparta que teres-nos visto aqui jacentes
Obedecendo às santas leis da pátria.
(Traduzido para o português da tradução de Cícero para o Latim)

Este amor aparente pela lei também guarda uma pouco sutil acusação contra os oligarcas de Esparta, pois, se não pela manipulação das leis, talvez aqueles soldados pudessem ter sido poupados e uma vitória mais decisiva pudesse ter sido alcançada. E o respeito pela lei também aparece proeminente nos argumentos de Sócrates, quando este diz: “E, embora os oradores estivessem prontos a me acusar e me prender, e vós os encorajásseis vociferando, mesmo assim, achei que me convinha mais correr perigo com a lei e com o que era justo, do que, por medo do cárcere e da morte, estar convosco, vós que deliberáveis o injusto”. É uma visão que a obra de ficção compartilha com Sócrates, de que, mesmo se as leis são perfeitas, elas podem ser aplicadas injustamente por aqueles que buscam seus próprios interesses.

Da mesma forma, este desapego à vida expressa na frase creditada a Sócrates acima, e em diversas outras afirmações dele, é ecoado em espírito por todo o filme “300 de Esparta”. Especialmente quando o narrador onisciente revela pensamentos como os que seguem:

“E mesmo quando (Leônidas) lidera seus preciosos 300 para a morte certa, seu único arrependimento é que ele tem tão poucos para sacrificar”.
“... os 300 meninos atrás dele, prontos para morrer por ele, sem um instante de hesitação. Cada um deles. Prontos para morrer. Eles pensam que sabem o que isto significa”.
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Frank Miller, autor dos quadrinhos e do filme, tenta também expressar com esta frase que não apenas os soldados não sabem o que é a morte, apesar de se pensarem prontos para ela, mas que eles também não compreendem o significado que suas mortes terão no âmbito da guerra e para a história. Ponderações que não devem ser perdidas também pelo leitor de Sócrates, quando lê a forma serena com a qual ele encara que sua própria morte está próxima. Para Sócrates, a morte se oferecia como uma de duas boas possibilidades: Ou a de descansar eternamente, ou a de encontrar do outro lado aqueles que morreram antes dele, e travar animadas discussões com os grandes pensadores e personalidades do passado. Ele vê o fim da sua vida como uma propícia jornada, algo que apetece seus sentidos de investigador e contestador.
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Tanto o filme “300 de Esparta” quanto o julgamento de Sócrates acabam em derrotas com gosto de vitória. Os exércitos de Xerxes, usando de traição e de seus números superiores, eventualmente conseguem destruir as remanescentes tropas espartanas, depois de um conflito de três dias. Historiadores estimam que o exército grego original, composto de 5,500 homens, incluindo os 300 de Esparta, tenha tido por volta de duas mil baixas, sendo os sobreviventes desertores. No entanto, dizem que o exército de Xerxes sofreu algo como 30 mil baixas. Não apenas isto, mas o sacrifício daqueles 300 e do rei consolidam a posição de Esparta contra Xerxes, dão tempo para que os atenienses se recuperassem e vencessem suas batalhas no mar, e um exército de 40 mil gregos, liderados por 10 mil espartanos, eventualmente derrota Xerxes no confronto terrestre. A Batalha das Termópilas até hoje se mantém como um exemplo de como, através de estratégia, controle territorial e treinamento superior, um pequeno contingente de soldados pode derrotar um exército.
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Da mesma forma, mesmo morrendo, Sócrates se imortalizou através do seu pensamento, em muito exposto em seu julgamento e derradeiras argumentações. Não só isto, mas também pelo fato de que ele consegue remover de si o peso moral da condenação e passá-la para seus acusadores e àqueles que o condenaram, condenando a eles pela injustiça. Considerou ele: “Assim, eu me vejo condenado à morte por vós, condenados de verdade, criminosos de improbidade e de injustiça. Eu estou dentro da minha pena, vós dentro da vossa”. E destes que o acusaram, poucos foram os feitos dignos de serem lembrados, além dos que os levaram a serem mencionados no texto de Platão, que os imortalizou na infâmia. Enquanto Sócrates vive para sempre, a influenciar a mente dos jovens e torna-los melhores.

- Texto por Carlos Senna

2 comentários:

Bárbara Monteiro disse...

muito interessante a comparação entre sócrates e os quadrinhos/filme 300 de esparta...o filme deve estrear por aqui logo, com o rodrigo santoro no elenco (achei legal ter um brasileiro numa produção como esta).
só uma coisa: no começo do post o carlos escreve que o blog é feito para o estudo do sócrates e tal, e a gente tem que mudar isso, como o dimas falou na aula de hoje (27/03). mas é tranquilo de mudar, certo...bjo pra vcs!

apologiasdesocrates disse...

Considere mudado!